domingo, 24 de outubro de 2010

Quando não estamos tão bem....

Veja! Olhe bem! Lá, onde uma vez foi a morada das coisas mais lindas, serenos córregos, floridos campos, de gozo e de felicidade, hoje apenas habita dor e destruição! Rios de fogo consomem a terra morta, ao mesmo tempo em que raios partem os céus e a única coisa a ser escutada no ar são os gritos de agonia e tristeza! Quão distante do original ele se tornou, não lembrando nem mesmo mais uma face distorcida de um anjo, mas sim qual a face monstruosa de um monstro infernal! Ainda assim intenta voltar lá? Mesmo não sendo mais o lugar no qual plantastes tanta alegria? Tens a coragem, a audácia, de retornar ao local ao qual tu tudo deste e do qual tudo tirastes? Insolente! Vira teu rosto! Mostre desprezo diante desta hedionda agonia! Sinta repulsa! Odeie! Escarne! Zombe e Humilhe! Não torne a fecundar essa terra morta e sedenta com palavras de carinho, antes pisa nela e queime-a, mas não a traga de volta a vida se não intenciona permanecer para nutri-la. És tu a única criatura, debaixo do firmamento, capaz de adentrar esta terra desolada e vil, absolta dos perigos e das mazelas aqui jacentes, e ainda assim alegrar-se tratando-a. Por quê? Imploro que respondas, por que tu, após tanta dor e tanto prazer, tanta tristeza e júbilo, tanta paz e tanta confusão, por que ainda encontra-se capaz de atravessar a passos calmos os portões de minha mente e caminhar despreocupada nos jardins de meu coração? Dê-me um fim! Não salve o que sobrou, pois de nada presta. Ó belíssima algoz. Ó cruelíssima musa. És motivo de toda alegria e dor que conheci. Agora termine isso! Suplico-lhe que dê-me um fim! Ateie fogo ao pouco que resta, assiste as chamas dançantes enquanto elas fazem o acalento final desta terra. Não prolongues mais esse sofrimento, dê seu derradeiro veredicto! Essa terra, que é minha, mas sob a qual não tenho poder, pode já não mais suportar.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Jornada

Por milhas e milhas eu andei sobre a vastidão cinzenta, esse infindável deserto de cinzas. Já não lembro quando comecei essa jornada, nem por que, mas das poucas pessoas que encontrei algumas pareciam não querer seguir em frente, e quando começavam a parar logo começavam a afundar nas cinzas e eram engolidas pelo chão.
Foi uma jornada árdua e assustadora, a princípio eu não lembro o que me motivava, depois foi o medo de ser engolido pelo deserto e, por fim, foi a simples vontade de saber o que me esperava no final, todo aquele sofrimento, todos aqueles anos, os pés nus sobre as cinzas frias, a pele nua sob o vento castigante, tudo aquilo deveria ter um significado.
Foi então que eu comecei a sentir os tremores. A principio eram pequenos baques, quase ritmados, mas conforme eu continuava a andar eles foram se tornando mais e mais fortes até chegarem ao ponto de me derrubarem, mas aos poucos fui me acostumando com o crescimento gradativo dos tremores e consegui continuar em frente.
Após isso vieram os sons. Não percebi quando eles chegaram, pareciam estar sempre lá, junto do vento que cada vez passava a me açoitar mais, mas agora eles começavam a se tornar audíveis e mais que isso. Conforme eu seguia em frente eles se tornavam mais altos, de modo que eu pude perceber que eles eram cadenciados com os tremores. E eram pavorosos. Os ruídos indistintos tornaram-se gritos de pavor. As cinzas gélidas e o vento cortante atacavam meu corpo, a dúvida e o temor atacavam minha mente, e esses gritos tenebrosos atacavam minha alma.
Ainda assim continuei. Até encontrar finalmente meu destino.
Era enorme. Ele... Não. Aquilo era enorme. No instante que pus meus olhos naquela forma colossal senti todos os músculos do meu corpo falharem, não pude mais me mover. Pelo que me pareceram anos eu fiquei lá parado, observando a coisa se mover e agir, e pouco a pouco compreendi minha jornada. Eu não havia sido o primeiro a chegar lá, certamente não seria o último, mas pude observar o destino de cada uma das pessoas que ele... aquilo escolheu antes de mim. Ainda assim, quando sua mão, gigantesca, monstruosa e calejada pelo esforço de uma eternidade, se estendeu em minha direção para enfim me alcançar eu não fui capaz de sequer soltar uma palavra.
Aquilo me ergueu diante de si e me olhou no fundo dos olhos, como um artífice avaliando seu material base. Em seus olhos eu vi fogo, eu vi guerra. Vi fome, vi morte, vi bestas selvagens, chacinas, explosões. Vi implosão de estrelas e fissão de átomos. Em seus olhos vi o próprio tempo.
Conforme ele me descia, após me avaliar, retomei o controle sobre mim e finalmente gritei; com todas as minhas forças eu gritei, e minha voz tornou-se o vento, que, junta de todas as que a antecederam, partiu então para preparar a todos que caminhavam até ali, e meu corpo desfez-se em cinzas, trazendo minha existência a um fim, após ser tocado pela mão de Destruição.